"Herzlich Willkommen", dizia Ele olhando o céu meio nublado de uma manhã úmida e abafada .
Sentada no táxi ao seu lado, Ela estava distraída, totalmente sonada da longa viagem. O olhar distante...Ele viu o sorriso frisado no rosto dela, os olhos turvos, viu o nó na garganta. Ele a viu. Viu! Mas não sabia o que sentir .A cada volta da Alemanha, o caminho do aeroporto até o apartamento na Urca era um "choque de realidade" para eles.
Adoravam o Brasil, mas sentiam tudo em volta tão deprimente, tão deteriorado, tão "sem futuro", que desanimavam. Ele acostumado à eficiência e qualidade já não achava mais tão "pitoresco" o desmando do Rio.
- Como pode? É uma bagunça, uma sujeira só! pensava Ela olhando as "comunidades" no caminho.
- Não interessa a ninguém fazer algo melhor, é tudo "maquiagem", Ele falou apontando para as divisórias da pista de acrílico barato cobrado à preço de material de primeira, Sichtblenden é coisa séria na Alemanha! Não só para proteger as estradas, mas para diminuir o ruído para os moradores. Aqui dá mal pra esconder a favela, disse meio resignado.
Cinquenta minutos depois de meio caos, conseguiram chegar em casa.
Ele foi direto até as janelas da sala.
Impressionante como abrir as janelas do pequeno apartamento na Urca lhe dava prazer.
Ele gostava da sensação de leveza, pouca roupa e pé descalço.
Gostava de dilatar de novo...Passavam 6 meses comprimindo com o avançar do frio.
Ao abrir as janelas, os 6 grau de ontem da Alemanha ficavam para trás... adorava este calor...faziam 38 graus.
E a cidade se expandia com muita velocidade.
O barulho dos ônibus do ponto irregular invadia a sala.
Tudo parecia muito nesta chegada.
Muito ruído, muita luz, muito descaso, muitos cheiros, tudo muito para Ela...
O ponto "provisório" está ali há mais de 20 anos. Nada mudou, nem sob protestos.
Ela sentia um desanimo ao ver que "É assim mesmo " aqui no Brasil.
E volta e meia pedia desculpa para Ele.
Não, não queria sentir vergonha do seu povo, do seu país, da sua casa!
Mas sentia...sentia por que amava, sentia por que doía.
A velocidade que os sentimentos se manifestavam era tamanha que Ela ficava tonta.
Da leveza Ela também gostava. Não só das roupas mas das pessoas.
Mesmos frustradas, as pessoas eram mais leves no Brasil.
Todo retorno era igual, precisavam de um tempo para se acostumar, chegar!
Ela estava sempre com um delay lá e aqui!
Estes anos todos, foi, de pouco em pouco, "soltando o lastro".
- Com peso a gente não voa !, Ele repetia sempre.
Foi assim para partir, desapegar do Rio, dos amigos, família, trabalho.
Soltar as amarras e subir...Se reinventar!
A cada ano que chegavam tinham um novo desafio, uma nova resolução. Aqui e lá!
Sim, por que viver em dois mundos é muito lindo na foto.
Na prática demanda um tempo para ajustar.
Quando começa a encaixar, já está na hora de zarpar. Expandir e contrair.
Desde 2011 Ela começou a sua migração.
Lentamente! Primeiramente foram os vistos de residência, permanência, paciência, resiliência.
E os cursos de Alemão," Bitte wiederholen Sie noch einmal"! Um eterno repetir de novo!
Este ano vai se preparar para a naturalização, tema difícil.
Há 14 anos eles falavam português e algumas palavras em alemão. De 1 ano para cá se esforçavam para desenvolver uma conversa em alemão.
"Geduld", palavra do dia dia!
Paciência? Ele tinha pouca ...
No Rio, a adaptação à diferença de temperatura cada vez pesava mais. E Ela vinha tentando a anos convencê-lo de colocar um ar refrigerado no quarto. Conseguiu a duras penas. Mas primeiro veio a obra do telhado do prédio (há 3 anos), depois tiveram de esperar trocar o quadro de luz geral (há 2 anos) ,em seguida fazer a obra de elétrica para seu apartamento e finalmente colocar o AR CONDICIONADO!
Três anos difíceis, mas agora poderiam respirar.
O Ar foi uma conquista de 2015 que ficou pronto nos 45 segundos do último tempo antes de partirem em Maio. E só agora em 2016 conseguiriam aproveitar.
Sempre chegavam no começo de Dezembro no Rio.
Todos os planos que faziam sempre tiveram um rumo melhor do que poderiam imaginar.
De resolução em resolução foram se livrando do sobrepeso.
Ano após ano!
Se redimensionavam ao que dava e ao que era melhor.
Qualidade, disso não abriam mão.
Estes anos todos Ela reduziu os armários, se desfez de dívidas, empacotou projetos, arquivou sonhos e seguiu com uma mala de mão.
Literalmente!
No Verão, eles viajavam com uma board case para os dois e uma mochila, e só!
No inverno precisavam de mais espaço. Uma mala para cada um!
Descobriram que adoravam se sentir leves e buscavam cada vez mais isso.
Gostavam de desbravar lugares novos!
Amavam longas passeios por lugares desertos (ou quase)...
Mas uma coisa Ela ODIAVA : Areia na cama.
Ele sempre trazia nos pés da caminhada da praia.
"Immer nur Klagen"! Ela reclamava que só!
...Mas este Ano Ele prometeu que vai cuidar disso!
E se...Ela o conhecia bem, sorriu com a promessa que vai ficar de novo para o ano que vem!
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