Escrever em português morando na Inglaterra é curioso. Abandono, ingrata, minha flor do Lácio no convívio social, nas amizades que não envelhecem, mas se fortalecem, e quando discuto relações. Mas é como se fosse a minha língua o meu segredo! É ela que me permite conversar sozinha seja no parque, seja no papel em branco. Às vezes, a solidão do português sufocado é tão grande que me faz lembrar um quadro que eu tenho na minha sala. É uma fotografia de uma estrada de terra batida laranja da cor do rio Pomba, e que só de olhar me faz tossir de poeira calorenta de dezembro. De duas uma: ou a foto me faz viver ou me mata. Quando me mata, escrevo.
A língua particular me traz efeito parecido. O coração acelera, grita e aí, entorno as minhas tentativas no papel. Este ano será publicado o meu segundo livro adulto. Um livro de contos que se chama "A loucura dos outros". Seria uma espécie de oposto do primeiro, talvez. Falo sobre o impacto que é o outro nas nossas vidas. Falo dos invisíveis, falo de sexo, falo de violência, falo de doença, falo de loucura, falo de abuso, falo de amor e falo de nós.
A língua é essa senhora sempre insatisfeita. Ela me faz de boba, me faz feliz, me deixa sem dormir e me faz sonhar. Até agora, acho que mandei oito arquivos para o meu editor. Em todos eles a minha ingenuidade: o título é "versão definitiva". Agora chegou num ponto que é preciso passar as histórias pra frente pra andarem sozinhas. Pela primeira vez vou fazer um lançamento em São Paulo. No comecinho de agosto, dia 5, estarei lá querendo ver vários de vocês de perto, oferecendo sorrisos, abraços, vinho e conversa.
Aí, continuo a estrada. E já me faz sorrir em antecipação a bagagem que volta comigo. Partes dessa bagagem ficam agarradas no afeto renovado. Passam a morar comigo dentro do português que explode vez ou outra por causa da saudade. Aliás, bela palavra!