Morar fora do Brasil não é nada. O problema é morar fora de Guarani. Fechem os olhos. Imaginem uma pessoa cujos braços são feitos de elástico. A flexibilidade do material é capaz de chegar a cantos distantes, traçar caminhos longos. Por outro lado, pra que tamanha distância ocorra é preciso puxar, esticar, quase arrebentar. Os braços de elástico são os meus. Guarani, imaginem, tão pequena, estica meus braços e às vezes eles doem porque não posso estar aí. O outro lado também tem uma ponta do meu braço. Também me estica e também me tortura. É feito um passado e um futuro. Passados e futuros que são tão grandes que são como um presente. Às vezes, observo daqui, a vista daí. O contrário também acontece.
A dualidade de quem deixa a terra, de quem desavergonhadamente rejeita o próprio chão é óbvia. O preço a se pagar é alto. Preocupo-me com as festas que perco. Casamentos, nascimentos, aniversários. Choro numa estação definida qualquer a perda de um ente querido, a ausência do abraço que eu tanto queria dar. Não é possível ter tudo. O que eu tenho mesmo de inteiro é a metade do caminho. Quem me ensinou a escrever, da forma inteira, tenha sido talvez a minha mãe. Foi ela quem me explicou que falar de saudade sem ser piegas era difícil.
Falar algo novo sobre a saudade, praticamente impossível. Mas, como ela dizia, nunca custa tentar. Era a minha mãe quem eu copiava quando pegava num papel numa tentativa de poesia. Minha mãe gostava tanto das letras e de estudar que imaginei um dia fosse virar nome de escola. Já pensou se eu estivesse longe quando isso acontecesse? Eu, inteira na metade do caminho, com braços de elástico, não perderia por nada um dia de importância assim. Mas voam mais alto que eu as minhas palavras. Essas são minhas. Esticadas que só, ainda conseguem chegar aí. É, morar fora do Brasil não é nada.