Sou uma pessoa de raízes. Andei pelo mundo um pouco, conheci belos lugares, mas sempre retornei pra casa com felicidade e saudades. Não sou do mundo inteiro, confesso, por mais que goste de acreditar que sim.
Também não conheci todos os lugares que gostaria, por nenhuma outra razão senão covardia. Gosto de viajar sozinha, sentir as mudanças sutis que cada local me provoca. Vejo beleza manifesta em becos, construções, nas ações das pessoas, na harmonia etérea das cidades e na amplitude das estradas, tudo a meu próprio ritmo.
Descobri que vivo num mundo, infelizmente, mais violento do que poético, por isso não visitei o Oriente Medio, por exempo. E por isso começei a temer minha própria cidade, o Rio de Janeiro.
Ia trabalhar convocando legiões de protetores, olhava por cima dos ombros a cada dez passos, desconfiava, julgava tudo e a todos ao meu redor. Isso é o que o medo nos ensina a fazer e, o que mais me assusta, ao que nós parecemos responder com prontidão.
Faz quatro anos que conheci meu marido, fora do Rio, numa linda praia de veraneio do Rio Grande do Sul. Praia do Cassino, um lugar onde sempre me sinto em casa.
Ele corria, eu corria, corremos juntos na praia algumas vezes, eu fui embora. Pouco tempo depois ele desembarcou no Rio de Janeiro me seduzir, com o propósito velado de me furtar de lá e, sem saber, me proporcionar um ultimo encanto sobre a minha linda cidade.
Ficamos ainda um ano no Rio, antes de nos mudarmos de vez para o Sul. Ele me ensinou a ver a cidade com os olhos de uma criança, encantado com toda a beleza e a mistura ali presentes. Ele não tem medo, caminha com a propriedade de que cada passo seu é certeiro, nada se interpõe em seu caminho. Me levou pelo braço ao centro da cidade, ao aterro do Flamengo, Quinta da Boa Vista, feira de São Cristóvão, Vila Isabel, Madureira, Ipanema, Jacarepaguá. Não havia onde não fossemos, a pé, de dia ou de noite. A malandragem sorria, ele abanava de volta, nada nos atingia, pura poesia.
Eu, a esse tempo, já ia pro trabalho a pé, atravessando um túnel, caminhando com a mesma propriedade dele, andando devagar na chuva do verão, apertando o passo no breve inverno carioca, mas nunca mais com o coração pesado.
Quando voamos pro Sul, já com a mudança a caminho, olhei minha cidade de cima e o peito apertou. É linda, é maravilhosa, abriga ainda tanta gente que eu amo. E merece que cada cidadão carioca, da gema ou não, efetivo ou interino, caminhe em suas ruas com propriedade, despertos para a cidade, com os olhos voltados para a beleza da terra e das pessoas, e não como sonâmbulos esquivando-se das sombras que espreitam ao redor.
Hoje vivemos em Rio Grande, cidade gaúcha quase litorânea, grudadinha no balneário do Cassino, minha praia-casa, vivemos de olhos abertos.
De olho nas cidades por vir, por onde caminharemos com a mesma propriedade, pois somos, finalmente, cidadãos do mundo.