Numa viagem de trem pro centro de Londres, ao meu lado um grupo de meninas de no máximo dezessete anos, discutia animadamente a aparência de outra menina ausente no percurso. As opiniões e os comentários variavam entre "ela é gorda", "ela não é sexy", "ela não usa maquiagem", "ela precisa trocar os óculos", "as coxas dela são grossas", "os braços são roliços" e o pior de todos: "os meninos acham ela uma baranga."
Com os recursos que elas me deram, imediatamente desenhei a menina na minha cabeça. Não só isso, mas me rendi ao estereótipo de que a menina feia deve ser inteligente e essas aqui devem ser umas fúteis, ocas. Ao identificar a minha fraqueza em render-me aos pré-conceitos, concluí que estou numa enrascada, tanto por ser mulher quanto por ter uma filha. A gente faz o que pode. Exponho minha filha aos cenários vistos como mais masculinos como futebol, desenhos de ninjas, cores azul e verde. Não compro nada rosa, já que ela tem um quarto transbordando pink por conta de presentes ganhos. Falo desde cedo que dirigir é feito nadar, tem que aprender. Aviso que um trabalho e consequentemente o dinheiro podem levá-la a um lugar bonito à beça chamado Independência. Além dessas sementes que uns chamariam de feministas, eu mesma corto os cabelos dela, deixo que use roupas avacalhadas e se emboneque o menos possível.
Fico sempre espantada quando vou ao Brasil e vejo meninas da idade dela, de sete, oito anos, parecendo ter doze, treze. Acho lindo demorar a crescer quando se é criança. Acho sensacional quando ela escolhe um par de óculos em formato de abacaxi ao invés de um aviator. As inglesas do trem que riam da menina "diferente" talvez tenham tido uma experiência parecida. Mas então, por que perderam a simpatia pela individualidade? Por que essa falta de irmandade? Procurei em mim alguma ideia de resposta. A única coisa que concluí foi que, apesar de serem de fato lindas, as meninas eram isso: meninas.
Eu, quando tinha minha juventude, a carne dura, a pele lisa, também duvidava que aquilo fosse suficiente. Queria ter tudo o que eu não tinha. Aí, um dia, sei lá quando, abro os olhos e descubro que tenho quarenta anos, a carne mais flácida, rugas de preocupação e de alegria, a barriga onde moraram dois filhos, os braços mais moles. E essa, essa sou eu! Sou tudo isso e mais. Mais porque não podem ver o tudo do qual sou feita. Mais porque guardo em mim experiências, desejos, segredos, sonhos. O que você vê é só uma ínfima parte de mim. Aquelas meninas serão mulheres, assim como a "feia" de quem falavam. E enquanto não houver irmandade, apoio e aceitação por tudo e tanto que somos, continuaremos a , lá na frente, sofrer por conta do mesmo, exatamente do mesmo machismo que encontra morada na mulher feia e pasmem, na mulher bonita.