Nos festivais de sorvete dos anos oitenta, lá no interior de Minas, onde nasci, exagero era coisa normal. Passávamos o dia comendo todos os sorvetes disponíveis.
Éramos perdoados pelo excesso porque não era frequente um evento daqueles acontecer. Era preciso aproveitar!
Quando pensei sobre como classificar o Canalzinho, pensei em festival porque me fez lembrar daqueles dias de sol e alegria raros quando tínhamos em nossas mãos uma certa maravilha.
O Canalzinho virou então, um festival. Afinal, será uma festa rara com maravilhas disponíveis às mãos e aos olhos.
Foto by Heliana Pacheco
Mas o que se faz com mais um festival literário?
Quantas feiras, cirandas, eventos de literatura já temos no Brasil?
De vilarejos até cidades enormes, várias abrigam ao menos alguns dias para a celebração, discussão e divulgação do que é produzido na nossa língua.
Como autora me divido. Uma parte minha lamenta não poder percorrer cantos do Brasil pra ver de perto toda a função.
A outra parte aprecia profundamente o isolamento, a distância e a paz que a lacuna feita de Oceano Atlântico me proporciona.
Há alguns anos pensei sobre a maravilha que seria ter aqui na Europa um evento com o formato dos vários que acontecem no Brasil.
Um evento de autor pra leitor.
Mas como justificar a vinda de autores brasileiros aqui?
Aí, pensei que colocaria em prática um dos meus lemas: a união faz a força.
Não tenho dúvida: trabalhar em grupo, em conjunto, sem separatismos ou grupos é o que faz de uma causa um propósito de arte, de beleza, de sensibilidade, de emoção.
Contactei algumas pessoas para que o evento acontecesse não só em Londres, onde já estou há mais de uma década, mas em Paris.
Afinal, se vários autores atravessarão o mar, que seja pra valer a travessia e atravessem também um Canal.
Fechei a primeira edição do evento em Londres e Paris e dei pra ele o carinhoso nome de Canalzinho. A referência, claro, é ao Canal da Mancha que liga as capitais com grande número de imigrantes falantes de língua portuguesa.
Lancei o Canalzinho assim, sem grandes pompas ou ambições. E a beleza veio: apoios importantes, envolvimento das comunidades de imigrantes, Embaixadas e Consulados, Universidades, escolas de português, imprensa.
Estamos com a faca e o queijo na mão para fazer desse evento um começo.
Que o Canalzinho vá por outras correntezas e ares. O que eu quero é que cada vez mais eventos de literatura brasileira se espalhem pelo mundo servindo não só uma parte que já conhece o que temos. Que o festival alcance olhos e ouvidos de quem espera a viagem de uma vez por ano (se isso!) para estocar letras portuguesas na malas para os filhos que crescem com línguas enroladas.
Trata-se de oferecer a nossa língua e sua literatura para quem não desiste do português de jeito nenhum.
É uma oferta e ela é urgente. Uma urgência linda!
Insisto muito pra manter útil, bonito e vivo o português aqui com os meus filhos. É um plano: se todo o resto falhar, ao menos dei-lhes uma língua inteira. E que língua!
Foto by Heliana Pacheco