Há vezes que nada está acontecendo. Escrever, por exemplo. Às vezes, vontade. Frequentemente, nada. Aí entra minha avó. Penso, mais que lembro, na vida pacata dela. Fazia chinelos de pano para vender. Sentada em frente da Singer, alternava um cigarro com o trocar da cor da linha. Nada acontecia. Era sempre isso. Ela, no meio da manhã, saía da máquina e ia ao mercado. Da janela grande do quarto imenso eu acompanhava o seu arrastar de chinelos, não os que ela fazia, adentrarem a quitanda. Não dava tempo pra trocar de mão no queixo três vezes e ela voltava.
Eu via seus olhos docemente desistentes e baixos atravessarem os meus, vivos, abertos, opostos aos seus. Nada acontecia. Era só uma ida até a venda da esquina pra comprar fiado e anotar na caderneta até que os chinelos vendessem mais. Seus dedos tortos cortavam a couve que eu ,com tanto investimento, separava do arroz e feijão poucas horas depois. Sem qualquer anúncio, pompa, circunstância, nada, absolutamente nada acontecia. Esta semana eu relia Kipling. Ele nos alerta a tratarmos o triunfo e a queda da mesma forma: são dois impostores. São exceções, são anormais tanto um quanto o outro. O que da vida parece mesmo ser é isso de não acontecer nada.
Meu marido é bastante observador, outro dia comentou que nota sempre a estreita dobra que eu faço ao arrumar camas com os lençóis. Minha avó fazia isso quando nada estava acontecendo naquela prática de banalidade que é a rotina. Eu me agarro nessa dobra estreita do lençol para me lembrar que, com sorte, lá, onde nada acontece, sou eu.