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Foto do escritorDo Rio pra cá

Bailando na boleia do caminhão de mudança

Atualizado: 10 de out. de 2019


Foto Fabiola Freire / Editora MOL

Sempre gostei de mudar. Mudei de casa 20 vezes. Nunca gostei de mudar. Me irritava muito quando meus planos escapavam do planejado. Isso foi antes. Antes de mudar tudo que eu achava imutável e descobrir que a mudança se tornou o baile da vida contemporânea. Gostando ou não, querendo ou não, somos obrigados e conduzidos a mudar sempre.

De atitude, de modos, de opinião, de profissão, de casa, de lugar, de hábito, de vida. Rápido, cada vez mais rápido. Eu, que sempre gostei de mudar e planejar, fiz planos para mudar de vida com data marcada em dezembro 2020. Não deu tempo. Minha ampulheta quebrou antes.

Mudaram minha vida em 25 de agosto de 2014. Depois de ficar perdida que nem cachorro em dia de mudança, embarquei no caminhão, contente como um cão, em janeiro de 2015. A mudança de ponto de vista e de estado de espírito aconteceu depois de uma canção (link para Aqui e Agora) e de um mergulho, literal, que descrevi em um texto publicado no meu blog e no meu livro, A Vida sem Crachá. Hoje, três verões depois, olho para o mar que me acolheu tão bem e preciso fazer um esforço danado para lembrar porque doeu tanto mudar de roupa, de vida e de lugar.

A história da minha mudança

Sou jornalista e fui uma funcionária dedicada e feliz. Trabalhei por 23 anos na mesma editora fazendo revistas, minha paixão. Primeiro como repórter, depois como editora. Mais experiente, como diretora. Bem-sucedida, fui convidada a atravessar a margem do rio. Virei gestora e diretora executiva de negócios, respondendo pelo destino de muita gente e pelo faturamento de alguns milhões por mês. Me dei bem e, por isso, subi mais um punhado de degraus. Em 2010, fui promovida a diretora superintendente. Cuidava de duas dezenas de marcas, tinha um Ebtida de gente grande para entregar no final do ano e respondia para o presidente. Era super.

Era superfeliz. Gostava de ser todo-poderosa. Gostava mais de fazer o que fazia. Tinha um time incrível. Conhecia e lidava com pessoas extraordinárias. Tinha colegas brilhantes e talentosos como eu. Tinha um chefe inspirador e um patrão mítico. Em 2013, a mudança começou de supetão. Meu patrão morreu por causa de um erro médico besta. Meu chefe, sem o apoio dele, foi instado a procurar a melhora dele. Fiquei meio órfã, mas continuava amando o que fazia. Seguia feliz e gostava tanto da minha vida que não consegui avaliar que tudo à minha volta estava mudando também. Notícia tinha virado conteúdo. Os meios de comunicação tradicionais perdiam força e relevância para as redes sociais e ferramentas de busca, como o Google e o Youtube. Meu mundo estava de mudança para o cemitério. Não percebi.

Em 25 de agosto de 2014, aconteceu a mudança pancadão. No dia D, fui demitida. Tomei um pé na bunda. Em português de botequim, foi foda. Perdi o chão. Perdi o crachá. Perdi a pele. Esse foi o momento “cachorro em dia de mudança” ao qual me referi no início deste texto. Felizmente, eu já tinha um plano B: uma pousada de charme, pé na areia, na Bahia. Foi lá, na pousada A Capela, em Arembepe, que me refugiei para entender o que tinha acontecido e cuidar do meu próprio negócio. Essa é a vantagem de quem é maníaco por planejamento como eu.

Sou farta e privilegiada. Tenho duas casas, duas cidades e dois trabalhos. Vivo entre dois mundos, diferentes e, para mim, complementares. Desfruto o melhor dos dois. Na semana urbana, moro em meu apartamento paulistano, agora em versão pocket para ser muito, muito menos caro, onde tenho família, amigos e bichos. Na semana baiana, tenho trabalho, amigos, bichos e um marzão azul todo meu. Não me mudo de vez, porque meu filho, Chico, tem apenas 15 anos e estuda em São Paulo. Não me mudo de vez, porque meus pais, septuagenários, moram em São Paulo e são felizes lá.

A mudança me transformou em sócia de pousada, sócia de loja de arte popular, escritora e palestrante. Sigo tendo alma de jornalista. Sou uma profissional slash. Faço atividades intelectuais, braçais e servis, com igual prazer e orgulho. Escrever e trabalhar duro na minha pousada me ajudaram a fazer da “vida sem crachá” uma plataforma de mudança e reinvenção. Aos 49 anos, comecei de novo. Confesso, não foi fácil. Era muito apegada ao trabalho. Tinha embolado a pessoa física na jurídica. Tudo meu era também da firma: celular, e-mail, carro, plano de saúde, amigos, guarda-roupa comprado para frequentar o ambiente corporativo e, inclusive, o meu segundo sobrenome. Eu era Claudia Giudice da editora xis. Por isso, a perda mais difícil de superar não foi a financeira. Já tinha o meu patrimônio. Já tinha a pousada funcionando a todo vapor. Mas não tinha uma identidade sem crachá. Precisei criá-la. Deu certo.

Foto Sergio Zalis

A vida sem crachá

Decidi falar abertamente sobre a experiência da demissão e do desemprego, um assunto que descobri tabu. Essa decisão não foi racional nem pragmática, como costumavam ser as minhas escolhas. Brotou de um insight. Ouvi meu fígado. Ouvi meus anjos. Ouvi meu coração. A memória deste instante ainda me arrepia. Estava em São Paulo, indo de casa até o INSS, quando aconteceu pela primeira vez. Pedalava na ciclovia quando a voz da minha intuição (ou do anjo que cuida de mim) falou:

– Por que você não faz um blog? Escreva o blog Claudia Giudice em a vida sem crachá.

Juro pelo meu filho que aconteceu assim. O nome e a proposta vieram à minha cabeça como um raio. Uma inspiração. Na volta, em casa, escrevi. Postei minha crônica no Facebook e choveram likes. Um amigo, sugeriu: “Anda, faz um blog.” Nascia ali o projeto da Vida Sem Crachá. Nascia ali o livro A Vida Sem Crachá, que será relançado agora em fevereiro de 2018.

O livro vendeu bastante bem e por causa dele recebi muitos convites para dar palestras, entrevistas e escrever textos, como esse, contando a minha história. Também começaram a chegar hóspedes na pousada interessados em me conhecer e trocar ideias. Compartilhar passou a ser meu plano C. Virei porta-voz de temas até então pouco debatidos como demissão, mudança de vida na era do pós-emprego e plano B. Acho que ter um plano B é um jeito de mudar com menos dor. De enfrentar o novo com uma rede de proteção. De reduzir o frio na barriga e o desconforto, com um passo a passo para colocar em prática a novidade. Sim, sou pragmática. Sim, sou conservadora. Sim, sou workaholic. E sim, apesar de viver parte do ano em um lugar parecido com o paraíso, lido com pepinos de todos os tamanhos, descasco abacaxis e tenho vários perrengues para lidar durante o dia. Mas quem não tem?

Aqui e agora

O que mudou na Claudia? Tudo e nada. Sigo sendo quem eu era e sigo tentando mudar para me tornar uma pessoa melhor, mais tranquila, mais relaxada, menos ansiosa e angustiada. No ano passado, por exemplo, minha meta de mudança foi aprender a dizer não. Foi um exercício árduo. Acho que avancei muitos passos. Não faço mais aquilo que não quero e não preciso fazer. Para este ano, minha meta é controlar o meu tempo. Aprender a parar. Aprender a reduzir. Aprender a dizer não para o trabalho. Aprender a dizer sim para o prazer.

Por causa do meu movimento de mudança, acabei conhecendo muita gente. Fiz muitos novos amigos. Recebo muito carinho. Recebo muitos abraços. Não acho que sou predestinada. Mas acredito que os caminhos que escolhi me levaram a esse momento de poder inspirar pessoas e de me inspirar. Fiz 52 anos em novembro e estou em ritmo de “volver a los 17”. Nesse paradoxo, entre ser velha e nova, posso acalmar a alma e prestar atenção no gavião que passa nos finais de tarde em Arembepe ou na maritaca que fez ninho no canteiro central da Faria Lima, em São Paulo. Posso mudar o meu padrão de consumo e comprar apenas aquilo que eu preciso. O peixe fresco para o almoço. A alface orgânica do jantar. Pouco desperdício e muito foco. Posso lembrar o ego, sempre que ele se meter à besta, que a vida é feita de escolhas. Que devo agradecer ao De(u)stino todas às vezes que lembrar do arrepio que senti ao ter este estalo. Que posso cantarolar Gilberto Gil convicta de que “o melhor lugar do mundo é mesmo aqui e agora”. E é.

Foto Fabiola Freire / Editora MOL

Um pouco sobre mim... Jornalista há 32 anos. Sou empresária há cinco. Fui executiva por 9 anos. Desde agosto de 2014, vivo sem crachá após 23 anos de trabalho em uma grande editora. Decidi seguir carreira solo como escritora e empreendera. Em fevereiro, meu livro A Vida Sem Crachá será relançado pela editora Happer Collins. Diariamente, vendo diárias para a minha pousada - Pousada A Capela - e escrevo histórias sobre carreira, empreendedorismo, trabalho, comportamento e gente no blog Claudia Giudice em A vida Sem Crachá.

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