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Saudades da porta

Atualizado: 11 de out. de 2019


Uma vez, escrevi sobre uma porta no primeiro apartamento que eu comprei em Londres. A crônica tá num livro chamado Lugar Comum, feito por mim, com muita intuição, um tipo de amor mesmo. Minha mãe, que nos últimos dias da minha primeira gravidez, veio me dar suporte moral, acompanhou até a porta do tal apartamento meus olhos apreensivos que voltariam cansados e alertas com a nova responsabilidade nos braços. Nasceu num domingo à tarde, num janeiro.

Caía era neve! A mãe, tocada pelo evento, pegou um pedaço de papel, colou na porta do meu quarto onde dormia meu marido e escreveu sua alegria, parabenizando o inglês por ajudar na feitura da menina. Com a comoção e força da sua escrita, a marca da letra perfurou o papel e ficou marcada sua mensagem naquela porta, na madeira, pra uma espécie de sempre. Aí, em conversa com uma amiga que foi minha vizinha de porta, perguntei como estava a rua, a vista pra igreja, as castanheiras, o mercadinho dos italianos que só falavam em dialeto napolitano. Rimos por lembrar da cara de bobo do filho do dono da venda, quando se aborrecia em dialeto com uma cliente inglesa, enquanto eu esperava que me cortasse umas fatias de presunto. Falei com ele que entendia qualquer coisa daquele desaforo dele, já que lá na Campanha, quem me ensinou um pouco de dialeto foi uma doce camareira que expressava amor através de xingamentos.

Eu disse pra vizinha que sentia muitas saudades daquele apartamento. Ela perguntou "saudade de quê?" "Saudade da porta". Foi quando ela abriu uma outra caixa na minha memória que andava dormindo. "No seu jardim, na primavera passada, tivemos uma bela florada das hortênsias do seu buquê." A saudade era disso também, então! Ficaram lá, além da porta, as flores do meu buquê de casamento, fincadas com precisão de jardineiro pelo meu pai, numa tarde fria. Eu disse que queria plantar aquilo pra não morrer, mas que poderia ser uma outra hora, menos gelada. O pai foi na cozinha, pegou a enxada, o buquê e me contou que essas coisas de amor têm certa pressa.

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