Tem uns dias de enorme boa vontade. Geralmente são quando o coração aquece e a barriga se agita numa alegria boba. Toda alegria é infantil. A gente pega uma travessa, corta cebola, batata, prepara o peixe. Toca uma música que a gente nunca ouviu e enche a cozinha de arte. Tento fazer uma bacalhoada. É sexta da paixão e abro um vinho branco, mundana que sou, para equilibrar o ritual do peixe tão santo.
Passo os dedos em volta do pirex, tem a música, a arte, o peixe, o vinho, eu que às vezes dei certo, outras tão errado. Passa um segundo e a gente percebe que sorri. Se conforma com os fracassos e com o que deu pé. A gente quase consegue tocar, mas quando vê que foi felicidade, ela já sumiu. Sobra a receita do peixe, o vinho, a arte e a fome. Boa páscoa!
The chocolate girl , de Jean Etienne Liotard