Então, aqui estou eu!!! Desde Março vim fazer um intercâmbio na África do Sul, na Cidade do Cabo. Vim estudar inglês, era um sonho morar por aqui. Cheguei aqui no nível básico do idioma. No meu primeiro dia eu me perdi tentando encontrar o supermercado. Duas vezes e meu celular descarregou! Insegura e com meu inglês capenga tive a ajuda de um grupo de amigos negros que me ajudaram com muita paciência e carinho. Enfatizo a cor da pele deles, pois a África do Sul sofreu o regime do Apartheid, e mesmo finalizado oficialmente, na prática ainda percebemos segregações e ao contrário da hostilidade justificada que poderiam carregar e reproduzir no tratamento aos brancos, costumam ser muito simpáticos e solícitos.
Desde que cheguei ainda não desbravei outras cidades (tenho intenção de fazer a Garden Route, a road trip mais comum entre quem faz turismo ou intercâmbio no país, ou ir pro deserto da Namíbia quando terminar minhas aulas), mas posso perceber a transpiração e o fervilhamento da História, a luta pela igualdade e os muitos ensinamentos de cidadania e dignidade deixados por Nelson Mandela e que são realmente praticados.
Melhor destino
Mais do que um destino mais acessível que Nova Zelândia ou Austrália para aprender inglês, (e tão cheio de belezas e aventuras quanto) a África do Sul, é um país em que pode-se aprender muito sobre superação, tolerância e valorização dos privilégios. Sua diversidade étnica-racial se reflete em não possuírem uma cultura unificada e podemos encontrar e desfrutar de aspectos culturais variados, dentre eles os de origem europeia, indiana e árabe.
Realização de um sonho
Estar aqui é a realização de um sonho antigo, fruto de minha retomada de objetivos após sofrer nas garras do Alcoolismo. Eu desperdicei muito tempo e dinheiro com uma filosofia e um estilo de vida em que o álcool estava mais intrínseco ao meu ser do que eu me dava conta e meus pais não apoiavam a ideia de realizar um intercâmbio. Eles diziam que eu não iria estudar e poderia acabar morrendo e dar trabalho para transportar o corpo. Parece dramático, mas era uma constante eu me machucar e eles receberem ligações avisando que eu estava no hospital... Sem contar as vezes que entrei em comas alcoólicos!
Hoje, a realidade é bem diferente, estou sóbria há mais de 3 anos e alcancei o nível intermediário de inglês na escola que estou estudando. Numa das aulas assisti um depoimento no site TED de um americano antigo usuário de crack que está limpo há muitos anos e é psicólogo e professor universitário... Dentre diversas coisas ele diz que podemos deixar que o passado nos defina ou nos refina. E é exatamente isso que tenho aprendido!
Aprendizado
Tento ter um olhar mais amoroso com a minha versão anterior e aprender com minhas escolhas irresponsáveis que me fizeram muito mal e afetaram ou atrasaram minha vida. Um amigo que fiz aqui, chamado Paulo Ramos, ao escrever um balanço de seus 100 dias em terras sul-africanas, disse que "Ter contato com novas culturas, conhecer pessoas e lugares (muitos!) tão diferentes e ter tempo pra pensar na vida são privilégios que todos deveriam se dar. Mas o que mais me cativa são as descobertas que fiz. Acredito que uma das principais qualidades que uma pessoa pode ter é ser amigo. Isso pode soar bem genérico, mas ser amigo é tornar a vida do próximo mais leve para que juntos possam viver melhor. Simples assim.
Também acredito que um dos piores defeitos é não saber ou ter dificuldade em perdoar. Quando você não perdoa o próximo, você também não se perdoa, e isso faz muito mal." - Concordo e me identifico com as palavras dele e esta experiência neste país tão especial também tem me ensinado sobre perdão... Tenho dificuldade de perdoar a mim mesma! Mas... Sigo tentando, buscando me melhorar e com a certeza que o melhor está sempre por vir!
Estágio
Eu mal tinha começado a escrever este texto quando recebi a oportunidade de um estágio de observação de atividades educativas, teóricas e práticas terapêuticas em uma clínica de tratamento de drogas e outras compulsões, localizada num bairro vizinho da minha escola e da minha atual residência (eu estudo e moro num bairro chamado Newlands, que foi colonizado por holandeses, super arborizado e aconchegante e que abriga os estádios de rugby e cricket).
Estou muito feliz!!! Agregará ao meu conhecimento sobre Dependência Química e ajudará no meu listening (uma habilidade essencial para todos os estudantes de inglês). Além do espaço de tratamento, estabelecido desde 2010, eles possuem uma casa chamada Sober Living House, que é tipo uma república em que pessoas em recuperação podem alugar quartos pelo período mínimo de 2 meses. Pesquisas mostram que a vida sóbria apoiada pelos pares leva a uma recuperação sustentável e lá é oferecido um ambiente acolhedor e atencioso para os que estão focados em manter as mudanças necessárias em suas vidas para sustentar um estilo de vida sóbrio.
Superação
Os residentes são incentivados a assumir a responsabilidade por si próprios, enquanto aproveitam os benefícios de um ambiente de apoio e recuperação. A praia de Muizenberg (conhecida pelas casinhas coloridas na areia, que são "bathing houses" que fazem o lugar parecer Brighton, na Austrália) fica a 10 minutos a pé e há reuniões de Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos na região...
Muito legal! Se fosse perto da minha escola eu até cogitaria me mudar pra lá!!! :-)
Pelo visto o Intercâmbio na África do Sul, na Cidade do Cabo vai me trazer muitas surpresas. Acreditar pode fazer as coisas acontecerem!
Um pouco sobre mim, Luciana Lage:
Tenho jeito de durona, mas o coração é de mocinha. Sou niteroiense e depois que participei do programa "Altas Horas” da TV Globo, contando um pouco de minha caminhada para superar a dependência de álcool, não parei mais. Foram inúmeras palestras em empresas e colégios e hoje sou uma porta-voz sobre Alcoolismo entre os jovens. Isso me motivou tanto que comecei o projeto "prevenção por experiência".
Me formei em Conselheira em Dependência Química pela UNIFESP/UNIAD. Em 2019 pretendo iniciar a graduação em Psicologia.