É um desafio para mim escrever, não tanto pela combinação das palavras ou a organização das ideias em orações que tracem um sentido exato do que vem de dentro. Mas pela responsabilidade que é materializar no mundo aquilo que até então encontro reservado no silêncio dos pensamentos, nas nuvens interiores que moldo ao sabor das transformações e que por estarem dentro só a mim afetam, ocupam ou impactam. Sou um ser num mundo de mudanças...
Porém, faz algum tempo que fui carinhosamente convidada a cumprir a missão de falar sobre este ato de se tornar estrangeiro, de deliberadamente (ou não) escolher cruzar fronteiras desconhecidas e construir um novo mundo de sonhos, distante de tudo aquilo que nos é familiar, confortável e seguro.
Nunca soube definir se as minhas mudanças foram escolhas ou determinações de outros tempos, se fazem parte daquilo que em árabe chamam de “Maktub” - estava escrito. Só sei que fui, que todas as vezes que senti o vento soprar em alguma direção assumi o risco de me aventurar a enorme descoberta de um novo eu que brotaria de um novo lugar. E tem sido bom, embora nem sempre fácil.
Sou nascida em Ribeirão Preto, mas meus anos em terras brasilisse dividiram entre Belo Horizonte, São Paulo e Salvador. Esta última cidade, Salvador da Bahia, foi de todas, o meu primeiro desejo de mudança, de pertencimento, uma das minhas maiores conquistas e realizações, é a casa da minha alma, e de onde tive mais dificuldade para partir.
A Bahia me fez entender a relatividade do tempo, a força que tem a empatia, o acolhimento, a amizade. Moldou em mim a capacidade de ser resiliente, abriu meus braços e me transformou em alguém mais doce e humana, e justamente por isso também mais forte e capaz de enfrentar toda brutalidade do mundo.
Foi lá meu trampolim, o salto mais alto, foi sentada a beira mar, na Bahia de Todos os Santos, que enxerguei no lado norte do Atlântico um novo porto, uma nova vontade de ser outra que ainda nem sabia viria a se materializar.
Curioso, hoje, quando coloco os pés nas águas geladas do agitado mar de Portugal, que olhando no horizonte ainda posso ver sentada nas águas doces e quentes da Bahia, uma Luana que certamente ainda existe em algum espaço tempo dentro de mim, mas que a muito tomou formas inimagináveis.
Percorri estradas que me levaram a Espanha, me fixei em Madrid e aprendi a amar uma terra seca, árida e dura, absolutamente o oposto da minha Salvador que em tudo era afeto. Tive dificuldade em conseguir casa, em entender a língua, em lidar com a forma as vezes rude dos espanhóis, passei uma semana sendo acolhida por uma colombiana querida. Reconheci o quanto deveríamos estar mais próximos aos nossos Hermanossul americanos. Odiei a comida até me abrir de fato aos sabores de uma gastronomia que reflete a força daquele povo. Duvidei, questionei, entendi.
Me especializei em Economia Criativa, desenhei o projeto de uma empresa, abri uma empresa, ganhei prêmios, absorvi o máximo de conhecimento que podia, e ainda assim tive – e ainda tenho – medo de que ao norte do globo eu precise eternamente provar que mereço os espaços conquistados.
Esse mês, completo um ano e seis meses em Lisboa, Portugal. Talvez, inconscientemente, tenha escolhido uma cidade que pudesse me fazer sentir mais próxima da Bahia. Portugal tem sido boa para mim, a cidade que vivo é feita de luz e poesia, os amigos chegaram mais facilmente, tem tapioca, guaraná e muita música brasileira. Tem também o “jeitinho brasileiro”, que cada vez mais entendo de onde ele veio. Falamos a mesma língua, embora definitivamente não falemos a “mesma” língua, é difícil explicar.
De tanto mudar, a mala foi ficando cada vez mais cheia de saudades e menos carregada de coisas, objetos, peso. Vamos entendendo que andar mais leve torna tudo mais fácil, e que na realidade o que precisamos mesmo é de um abraço apertado nas chegadas, e a certeza dos amores nas partidas.
Quanto mais eu caminho, mais entendo que sei ainda menos que achava que sabia. É tão vasto o mundo, e é tão rico de possibilidades, e a vida que nos é dada é, sem dúvidas, uma escola para nos tornarmos o melhor que podemos ser. Eu venho buscando isso.
Por hora fico por aqui, escrevo de um ônibus que me leva novamente a minha cidade natal, Ribeirão Preto, vai terminando a viagem e é hora de encontrar um dos abraços mais apertados na minha vida, meu pai. Vou me preparar para isso, porque neste mesmo dia deixei um dos grandes amores, minha mãe. E afinal de contas, chegar e partir não é assim tão fácil e requer preparo, e muito peito aberto.
LuanaBistane-Formada em Comunicação e Produção em Cultura pela UFBA e mestre em Gestão em Economia Criativa pela URJC- Madrid. Luana Bistane é curiosa e investigadora na área de desenvolvimento através da Economia da Cultura e Criativa. Atualmente é "business developer" da startup Brigde For Billions e Co-founder e Diretora Criativa da LadoBe Creative Agency. Com a LadoBe promove inovação e internacionalização de empresas, branding cultural e projetos culturais e criativos. Com larga experiência em políticas publicas de Cultura, foi Diretora Executiva da Orquestra Sinfônica da Bahia por quatro anos, quando acompanhou Gilberto Gil, na turnê do show "Concerto de cordas e Máquinas de Ritmos.
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