Eu aqui em Londres e uma melancolia na hora do banho. A caixa com muitos sabonetes Phebo, presente do meu pai, guardava só mais um. Usamos todas as cores do sabonete preto como se morássemos em Guarani. Até que agora, nesse banho de hoje, desembrulho Minas Gerais inteiro enquanto me faz tonta de imensos flashbacks do que sou. (Não é possível se despedir de Minas nas entranhas ou parar de ser mineira, não é possível, Minas nunca é passado.) Não havia cheiro de queimado do chuveiro elétrico com fios soltos, nem choque pra ligar, temperar a água. Não era necessário o par de havaianas encostado no azulejo que trazia caras de pessoas deformadas ou línguas de fogo enquanto o banho avançava. O cheiro do sabonete preto, praticamente um aristocrata ,reservado para visitas de parentes que ninguém conhecia, preenche o ar da Inglaterra.
Na casa da minha avó, no fundo da gaveta, o sabonete nobre perfumando roupas que nunca usava porque eram especiais, para ocasiões que não chegavam em Guarani. No meu banho, o aroma que vinha do tio trabalhador da roça que arrancava o suor duro e familiar com o sabonete preto. E tem mais, tem o cheiro do primeiro beijo dado por amor. O primeiro, pura pressão para não me atrasar, não tem mais nome, não me lembro dele. Mas sei que foi dado no estrangeiro, em Rio Pomba, fora das fronteiras de Guarani.
Mas o primeiro, dado com amor e todos os corações que pulsavam no meu corpo quando sentia seu cheiro, foi dado em Guarani. O cheiro era esse aqui do sabonete preto. Uma pena eu não conseguir pegar o cheiro do meu banho. Quando voltar ao Brasil, compro mais sabonete. Mas é que esse... Esse aqui é o último na sua condição de pura raridade. Pego o cheiro, embrulho na toalha. Que essa melancolia aqui em Londres ao menos vire um texto. Tomara.