Konichiwa é o que mais nós escutamos no Japão, é um alô, boa tarde, generalizado. A minha primeira vez por lá foi em fevereiro de 1987, bem no comecinho da fase de “'importação” de modelos não japonesas. Conto aqui pra vocês sobre a minha vida em Tóquio. Mais uma bela lembrança nessa fase de Olímpiadas, da Tokyo 2020.
COMO TUDO COMEÇOU
Fiz um casting (escolha de modelos) em São Paulo. Apesar da idade, 21 anos, fui selecionada: aparentava ter uns 16. Sou do tipo pequeno, então trabalhei bastante para catálogos, capas, editoriais de moda, comerciais de tevê. Dinheiro relativamente fácil e rápido. A vida lá era trabalho, diversão e bastante viagens para trabalhar mais ainda.
No começo ser gringa no Japão era uma raridade. Dividi casa com algumas pessoas de diferentes nacionalidades e trabalhei com outras tantas. Aprendi a ver o mundo e a sua diversidade de hábitos e culturas totalmente diferentes da minha. Me ajudou a abrir muito a cabeça. Aprendi um pouco a língua e usava quando podia.
A comida era simplesmente espetacular, pra mim foi fácil a adaptação. Como de tudo e não tenho nenhuma alergia. O único probleminha nos trabalhos era que os menus eram em japonês. A salvação eram as fotos de todas as opções do cardápio. Escolhia pela foto e perguntava o que era.
Eu tinha um prato favorito que era enguia com um molho adocicado, tipo teriyaki, em uma caminha de arroz que se chama unadon. Em casa, dá pra fazer com uma máquina de cozinhar arroz mais ovo. É fácil de fazer: nunca fui boa pra cozinhar.
A moradia era em apartamentos ou casa alocados pela agência. Eu sempre escolhi morar bem, mesmo pagando mais. Primeiro dividi uma casa tipicamente japonesa de 2 andares e 3 quartos com 2 brasileiras – somos amigas até hoje - e uma variedade de outras nacionalidades. As americanas eram muito bagunceiras e de hábitos pouco higiênicos. As brasileiras eram mais arrumadas.
Morei em residências particulares também. Uma vez, morei em um duplex de um casal que trabalhava pra Gradiente – antiga marca de eletrônicos brasileira - sem pagar nada. Dividia o quarto com uma brasileira que fazia um estágio em uma agência de publicidade. Ela se tornou a minha melhor amiga até hoje. Dividimos também antes um quarto na casa de brasileiros que trabalhavam pro Lloyd.
Éramos tratados como realeza. Não pagávamos entrada das discotecas, por exemplo, nem as bebidas nem comidas lá consumidas. Nossa entrada era um composit, um card com nossas fotos e a logo da agência. Sim, éramos a isca para o sucesso do local. Mas, no final, todo mundo se divertia.
Uma curiosidade que soube anos depois. O dono da minha agência, uma das tops chamada Satoru, nos cobrava a taxa do governo de 25%. Mas soube que ele nunca repassava esse dinheiro. Assim sendo, um dia a agência que ficava em um nobre endereço de Tóquio, chamado Omote Sando, fechou.
O povo? No começo de tudo vemos de um jeito. Depois de um tempo e algumas experiências desenvolvemos uma outra visão. A minha se desenvolveu de um povo doce para um povo - naquela época, claro - reprimido no comportamento e atitudes. Ou seja, eles poderiam estar sofrendo ou detestando algo porém faziam cara de feliz. Mas nunca tive uma má experiência, apesar de uma ou duas vezes passar por uma situação não agradável na rua e no metrô. Acho que as coisas mudaram um pouco hoje em dia.
Fiquei indo e vindo até 1992. Parei depois da crise financeira japonesa instalada um ano antes. Não valia mais a pena viajar para tão longe e ganhar quase o mesmo no Brasil. Eu trabalhava suficientemente bem no meu país.
Voltei ao Japão para fazer turismo com o meu marido em 2008. Achei Tóquio um pouco mais renovada, mas, felizmente, não tão ocidentalizada, o que era meu receio pela abertura.
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