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Foto do escritorDani Paiva

Ostras e cardápio com estrela na costa da Inglaterra


Como prometi, volto a falar sobre a minha temporada de verão na costa da Inglaterra na região de Kent. Se ainda não leu, deixo aqui nesse link. Dessa vez, vou comentar sobre o lado gastronômico do passeio. Sem dúvida, com ostras e um cardápio com estrela na costa da Inglaterra, o que me fez muito feliz.


O restaurante “The Sportsman” foi comprado e renovado em 1999 pelo chef autodidata Stephen Harris. Ele faz questão de manter o aspecto histórico de pub com registros do século 17.


A atmosfera de mesas de madeira que não combinam, balcão branco, cardápio escrito em giz e estofado de veludo vermelho é kitsch e informal para um restaurante que coleciona outros títulos, além da cobiçada estrela Michelin. Foi eleito, também, o número 1 dos 50 melhores “gastropubs” da Inglaterra. Entrou no topo da lista do National Restaurant Awards em 2016.


Fiquei na varanda do restaurante posicionada em uma mesa que dava de frente para um ventilador com as pás de plástico azul. Ao lado, uma imagem de uma mesa de canto em formato de torre do xadrez. Quer coisa mais kitsch e inesperada. Maravilhoso!


O cardápio veio em um papel impresso simples sem logo do restaurante ou assinatura do chef, ou seja, sem frufru. Atualmente, o “The Sportsman” serve somente menu fechado e do dia. Custa 65 libras (mais ou menos R$ 500,00) em 4 etapas e com muitas ‘cositas’ ao longo do serviço: o comensal escolhe uma opção entre as quatro oferecidas mais cada uma dela.


OSTRAS, PATO E MUITO MAIS


E, aí, começam os agradinhos. A jovem garçonete, simpática, que ao longo da refeição mostra-se com o conhecimento e a elegância de uma profissional 3 estrelas Michelin, me pergunta se gosto de ostra. Disparo: sou alucinada. Quantas estão incluídas, por favor? Umazinha? Mãos grudadas em prece, por favor, consegue mais uma?


Me preparei para a jornada com uma taça do vinho Blanc de Blancs, porque, ah, eu mereço. Meu “amuse-bouche” chega com duas ostras e quase me leva às lágrimas. Eram ostras com molho “beurre blanc” (manteiga) e caviar mais canapé de porco e maçã do jardim, canapé de queijo e purê de tomate.


Uma informação importante: as ostras não são locais. Elas vieram da ilha de Jersey, pois as águas da região não estão apropriadas para a colheita. Deixemos esse assunto para depois. Vamos voltar para o almoço que degustei lentamente por três horas.


Naquele dia, em pleno almoço, o que se observava pelas mesas espalhadas do “The Sportsman” eram casais e pequenos grupos, em geral, acima dos 40 ou 50 anos. Pareciam que comemoravam a reabertura, a vida, o casamento, o aniversário. Os sorrisos surgiam ao longo do desfile de pratos.


O público tem o bom gosto estampado na informalidade dos ingleses chiques que usam tênis, jeans, vestido florido, uma bolsa luxuosa ou um chapéu elegante. O formal e o informal brindam pacificamente no “The Sportsman”.


Junto veio a tríade de pães caseiros incríveis, focaccia de fermentação natural e mais um com especiarias. Comi migalha por migalha acompanhadas pela manteiga artesanal com sal também produzida por ali. Logo depois, a primeira escolha: truta defumada com granita de maçã, hibiscos e alga.


O “The Sportsman” tem como missão a valorização dos ingredientes locais e mais ainda, os que produz por ali mesmo, no seu quintal. Daí é que então surgem as maçãs, o sal, as flores campestres, por exemplo. Nada da canteiros impecáveis, bem cortados e perfeitinhos. A produção atrás do restaurante é rústica, natural, de verdade, com direito a um monte de matinho crescendo desordenadamente.



Para o segundo prato, investi no “halibut” (linguado) com molho de chorizo e azeitonas pretas: uma lindeza de cores em um prato de fundo verde. E como foi difícil optar na sequência. Pato, porco, suflê ou frango, que eu sempre acho sem graça. Todos estavam interessantes e sedutores.


Fui de peito de pato. A ave tem sobrenome: é do tipo Aylesbury com carne mais branquela e sabor equilibrado e adocicado. Confesso: meu gosto preferiria o pato um tico mais mal passado. Meu ponto de carne é sempre muito baixo. Tudo bem, o pato veio suculento, rosado e suntuoso ao lado de um molho escuro espesso com pistaches e amoras pretas. Delicioso e acompanhado de batata ratatouille arrumada em finas lascas e cremosíssima: derretia na boca.


Antes da sobremesa, uma panna cotta delicada com flores campestres do jardim. E o "grand finale": suflê de framboesa com sorvete da mesma fruta e baunilha, um clássico da casa, tudo muito fresco e cremoso. É como um abraço doce e carinhoso. Já o beijinho é o macaron que acompanha o café.


MAIS SOBRE O CEMITÉRIO DE OSTRAS


O “The Sportsman” fica entre as cidades de Faversham e Whitstable, Canterbury, em Kent, na costa da Inglaterra. A recomendação é desvendar a cidade de Whitstable pela sua fama gastronômica de cidade das ostras.


Logo que cheguei em Whitstable, descobri que errei no ‘timing’. Eu, amante das ostras, havia perdido o famoso Festival das Ostras que acontece anualmente. Tudo na cidade costeira – restaurantes, atrações, sinais e, ao que parece, o ritmo de vida da população - gira em torno da produção local de apetitosas e suculentas ostras. Amo.


Fato curioso: se o mês do calendário tiver a letra ‘R’, para amantes de ostras, como eu, isso significa época da ostra nativa, a ‘Native Oyster, um tipo indígena, ou seja, originária das águas da região. A ‘Native’ é mais achatada na aparência, tem textura firme e gosto pungente, amadeirado.

Sua produção é mais lenta do que outro tipo de ostra frequente nas prateleiras inglesas: as ‘Rock Oysters” que crescem rápido. Vieram do Japão provavelmente por conta da rapidez na produção. É possível encontrá-las ao longo do ano inteiro. As “Rock Oysters” são mais cremosas, adocicadas e carnudas.


Whitstable pós-festival era uma cidade fantasma de ostras com os resquícios do evento empilhados na praia de pedras e redondezas. Conversei com as pessoas locais para saber sobre como havia sido o festival em tempos pós-Covid e em um verão com temperaturas muito abaixo do normal, até para os ingleses.


Bem, volto a dizer que apesar de frio, essa viagem à região de Kent e ao "The Sportsman" foi maravilhosa. Aproveitei muito. Foi um bálsamo depois dos tempos de confinamento.


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