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Foto do escritorDo Rio pra cá

Portugal, vamos falar de preconceito linguístico?


Já tinha me deparado com uma ou outra matéria que apontava a necessidade de se discutir sobre preconceito linguístico em Portugal. Não era necessário, mas vale lembrar.


Meu nome é Jaqueline Figueiredo. Carioca, estou em Portugal desde 2019. Fui recebida na Cidade do Porto com sorrisos largos, não imaginava que existia a possibilidade de esbarrar no dia a dia com a temida palavra preconceito. Eu, na minha singela rotina, não havia me dado conta do quanto importante era por esta pauta em evidência. Pois é, eu também me arrepio quando ouço. Mas, antes de tudo, que tal procurarmos no dicionário?


pre·con·cei·to

(pre- + conceito)

nome masculino

O tal preconceito, que antes parecia distante, se fez presente numa tarde chuvosa e fria no Porto. Que coincidência, não? Aquela cidade que me recebeu tão bem lá em 2019 conseguiu me mostrar uma das tristes faces de como é difícil viver fora do meu país, o Brasil.

E, também me fez perceber que os ensinamentos dos sábios e antigos ditados populares devem ser levados em consideração. Falando neles, já começo por um que ouvi pela primeira vez ainda criança: “cada um sabe onde lhe aperta o sapato”. E não é que apertou? Vou explicar o porquê.


Jaqueline Figueiredo


Atualmente, estou como atriz numa companhia de teatro em Portugal. Uau, isso não é demais? Parece que sim. Andamos por estas lindas terras portuguesas, de norte a sul, do litoral ao interior, numa grande van lotada de adereços, cenários, figurinos e sonhos que não são poucos. Temos o objetivo de levar o teatro a um público que de outra forma não teria acesso.


Carregamos na bagagem boa energia e disposição para darmos sempre o nosso melhor e, como sempre imaginei, “vestir a camisa” . Valorizar o meu sotaque nunca tinha sido um problema. Até calçar um sapato que parecia menor do que o pé.


Num dia normal de trabalho, notei que tinha algo diferente acontecendo. Após o término de um espetáculo apresentado para o público escolar, resolvi conversar com a professora da turma que ali estava. Surpreendentemente, a professora apontou que estava espantada com o que tinha assistido. Havia gostado, mas não esperava que iria se deparar com o sotaque brasileiro naquela ocasião. Sim, ela expressou este espanto. Não satisfeita, continuou: “Eu proibi qualquer conteúdo brasileiro na minha turma. Mas quando você abriu a boca (riso irônico) todos os alunos olharam para mim”.



Engoli em seco e perguntei o motivo da proibição. Na sequência, ela discursou sobre a grande quantidade de vídeos e conteúdos brasileiros voltados para o público infantil, muitos deles criados pelo youtuber Lucas Netto. Após um longo silêncio interior, notei que aquela fala movimentou muitas coisas na minha cabeça e me colocou num lugar de questionamento importante: Preconceito linguístico. Preconceito.


É notável que o número de brasileiros que vivem em Portugal aumentou consideravelmente nos últimos anos. Muitos são os motivos que justificam este fato, mas um deles é a aproximação por meio da fala. “Se falamos o mesmo idioma, já é um bom começo, não acham?”. Parece que isto não é bem assim.

São muitos os casos revelados que apontam preconceito em escolas e universidades portuguesas. Existem relatos inaceitáveis de brasileiros que passaram a se comunicar em inglês nas universidades para serem de fato ouvidos e respeitados no campo acadêmico.

Para os mais novos, mencionam que é justificado pelo grande sucesso de youtubers brasileiros, que conseguem alcançar muitas crianças e adolescentes. Gírias e até mesmo o próprio sotaque se tornaram naturais na geração mais jovem, o que tem chamado atenção de pais e professores negativamente.


Antes de me debruçar sobre a escrita deste texto, pensei nas mais variadas formas de abordar o assunto. Após longas reflexões, cheguei à conclusão que não valeria a pena mencionar que não escolhemos falar português. E, também não me parecia importante destacar os motivos reais pelos quais falamos português.

Para quê perder tempo lembrando que o Brasil passou por um intenso processo de colonização efetivado pela exploração, confronto e extermínio? "Cá com os meus botões", deduzi que não haveria espaço para evidenciar que o Brasil não foi descoberto e sim invadido.


Não é necessário falar sobre nada disso. Afinal, "águas passadas não movem moinhos", não é mesmo? Nossa, lá vem um ditado popular outra vez.

Conclui que valeria a pena, sim, trazer à reflexão que o português é considerado uma língua pluricêntrica e que o entendimento deste fato é de fundamental importância para que haja a compreensão da diversidade e da aceitação do “diferente”.

Para os mais distraídos, a variação brasileira do português também é português. Sim, todos falamos a mesma língua e continuar batalhando por esta visão conservadora da personificação do falante ideal da língua portuguesa é claramente uma luta perdida.


É triste notar que situações deste gênero ainda imperam, principalmente em um país considerado "irmão”. Nos silenciar não me parece solução e, juntos dos que acreditam no desastre desta separação, temos que nos fazer ouvir.


Brasileiros e portugueses, todos juntos temos lugar de fala e, como muito bem apontado por Djamila Ribeiro: “o não ouvir é a tendência a permanecer num lugar cômodo e confortável daquele que se intitula poder falar sobre os Outros, enquanto esses Outros permanecem silenciados”.

Casos de brasileiros discriminados em terras portuguesas aumentam. Nos resta dar luz a debates deste gênero com o objetivo de clamar por um olhar atento das autoridades competentes a fim de exigir medidas sérias capazes de alterar o panorama atual.


Que tal debatermos sobre o assunto? Afinal, para não perder o hábito, a união faz a força.


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Fotos: Porto e Lisboa de Guiga Soares



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